A minha pena, como as penas do meu amigo, como todas as penas de brio e pundonor, tinha declarado guerra aos tinteiros do mundo.
Não havia, pois, que hesitar.
Lembrei-me que ela me tinha sido confiada há coisa de nove meses pura e cândida, e que assim a devia restituir.
Lembrei-me de muitas outras coisas, e tomei uma resolução inabalável.
Atirei o meu tinteiro pela janela fora.
A pena saltou, de tão alegre e contentinha que ficou. Fez-me mil carícias, sorriu, coqueteou, e por fim, fazendo-me um gestozinho de Charton no Barbeiro de Sevilha, um gestozinho que me mandava esperar, lançou-se sobre o papel e começou a correr.
Escrevia sem tinta.
Quero dizer, desenhava; esgrafiava sobre o papel quadros e cenas que eu me recordava ter visto há pouco tempo; debuxava flores, céus, estrelas, nuvens, sorrisos de mulheres, formas de anjos, tudo de envolta e no meio de uma confusão graciosa.
E eu nem me lembrei mais de escrever, e fiquei horas esquecidas a olhar esses quadros, que decerto não conseguirei pintar-vos.
Recordo-me de um.
Passava-se na segunda-feira, na baia de Botafogo.
A uma hora o tempo fez umas caretas, como para meter susto aos medrosos.
Daí a alguns momentos o sol brilhou, o azul do céu iluminou-se, e uma brisa ligeira correu com os vapores do temporal que ainda toldavam a atmosfera.
Uma bela tarde desceu do seio das nuvens, pura, fresca e suave como uma odalisca, que, roçando as alvas roupagens de seu leito, resvala do seu divã de veludo sobre o macio tapete da Pérsia.
Era realmente uma odalisca, ou antes uma moreninha de nossa terra. Seu hábito perfumado se exalava na aragem que passava; os seus olhos brilhavam nos raios do sol; sua tez morena se refletia