pela praia. Mesmo com o sol alto o que ali se arriscasse, transpunha o sítio com passo rápido, levando os olhos no chão e o Credo na boca.
Em sua infância muitas vezes Estácio levara até lá suas correrias. Já naquele tempo, impelido pelo seu caráter a afrontar o perigo, ele passava por aí frequentemente, tomado de certo respeito e tristeza pela recordação fúnebre, porém sem vislumbre de temor; ao contrário com alguma curiosidade de sondar o mistério dessas abusões populares.
O mancebo conhecia pois perfeitamente o sítio para onde caminhava.
O pedestal da cruz estava carcomido pelo tempo; as escaras do reboco deixavam a descoberto alguns tijolos já vacilantes pela queda do cimento; com a ponta do punhal Estácio conseguiu arrancar dois deles; cavando no fundo um pequeno vão, introduziu o cossolete onde estavam guardados os papéis, e restituiu os tijolos à sua antiga posição. É escusado dizer para quem lhe conhece a prudência, que antes de efetuar esse trabalho, percorreu os arredores sondando a treva da noite; e durante ele tinha o ouvido alerta e o olho vigilante.
Terminado o trabalho retirou-se; mas o espaço arenoso que mediava da cruz à beira do bosque, atravessou-o retrocedendo de joelhos, e apagando com as mãos os traços que ali deixara na ida e agora na volta. Tornou pelo mesmo caminho à praia, que foi beirando por dentro d’água até frontear a canoa. Em poucos instantes a alcançou a nado; acordou Esteves e remaram para o lado da Vitória. Ali desembarcara ele para ir amanhecer em casa de D. Dulce, enquanto o pescador ganhava a ribeira.
Estácio ficou então perfeitamente tranquilo em relação a seu tesouro.
Vinha rompendo a madrugada. Ele aproveitou as últimas trevas para ganhar a casa de D. Dulce.
Prevenida pela criada, a dama se compôs para vir receber a matutina visita que lhe enviava seu advogado; dando com os olhos em Estácio, estremeceu de surpresa e contentamento; uma onda de púrpura derramou-se pelo seu belo semblante, roseando até à nascença do colo, enquanto os olhos afogavam em uma lânguida meiguice.
— O Doutor Vaz Caminha enviou-me à vossa casa, senhora, com recomendação de aqui esperá-lo.
— Eu tinha pedido ao meu velho amigo que vos trouxesse a esta vossa casa, logo que fôsseis de volta. Felizmente eis-vos são e salvo. Vossa ausência já nos causava bem cruéis receios!...
— Também a vós, senhora? Pensava não vos ser conhecido.
— A primeira vez que deparou-me o acaso ver-vos, as feições lembraram-me a pessoa a quem mais amei neste mundo... Um filho, que se