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O IRMÃO DE PINOCCHIO

Embora andasse já uma semana a procurar aquillo, Pedrinho ficou seriamente impressionado com o milagre, e sem animo de metter o machado no pau para cortar o pedaço necessario á fabricação do boneco. Teve de ir ao riacho que corria perto beber uns goles d'agua, que lhe acalmassem a agitação e lhe déssem coragem. A agua fez effeito. Pedrinho criou animo e, apezar do pau continuar a gemer, cortou delle um bom pedaço, voltando para casa a correr, na maior alegria da sua vida.

Ao penetrar no terreiro viu a boneca sentadinha na soleira da porta, a assobiar o "Pirolito que bate, bate", com a cara mais innocente deste mundo.

— Achei, Emilia! gritou-lhe o menino de longe.

E ella, com a maior indifferença:

Que é que você achou, Pedrinho?

— O pau vivente, ora essa! Que é que havia de achar se é só isso que ando procurando?

— Nesse caso, bom proveito! murmurou a sonsa, sem erguer os olhos e a fingir que estava cavocando o chão com m pauzinho.

O menino damnou. Disse-lhe um desaforo e entrou em casa como um pé de vento, ansioso por contar a historia dos gemidos.

— Vocês não imaginam que coisa mais espantosa! gritou quasi sem folego logo que todos o rodearam. O pau gemia que nem gente de carne e osso — ai! ai! ai! numa voz que lembrava um pouco a do visconde. Gemia de cortar o coração! Nunca imaginei que pudesse haver uma coisa assim no mundo! Um assombro!...

Pedrinho teve de repetir a historia uma porção de vezes, emquanto o maravilhoso pedaço de pau corria de mão em mão, apalpado, cheirado, provado com a ponta da lingua. Só tia Nastacia não teve coragem de chegar perto. Espiou de longe, e nunca fez tantos pelo-signaes nem murmurou tantos Crédos.