— “Eu sei, disse o maracajá, que a gente da tua raça não come carne humana”.
Hans procurou consolar a vitima e fez-lhe uma preleção. Disse que apenas lhe comeriam a carne, pois que sua alma voaria da terra com destino a um lugar muito alegre, para onde iam tambem as almas dos homens brancos.
— “Será verdade isso?” exclamou o indio.
— “Sim, é verdade. Lá para onde vão as almas é que reside Deus”.
— “Mas eu nunca vi esse Deus”.
— “Na outra vida has de vê-lo”, concluiu Hans.
Nessa noite um vento horrivel açoitou a taba, chegando a arrancar pedaços do teto das cabanas. Os selvagens encolerizaram-se, dizendo que fôra Hans quem trouxera o furacão.
— “Ele é um diabo, explicou um, e esteve hoje a olhar para o “couro da trovoada”.
— Couro da trovoada, vovô ?....
— Sim. Chamavam couro da trovoada ao livro de capa de couro...
Narizinho soltou uma gargalhada :
— Que idiotas !
— Os indios eram supersticiosos, explicou dona Benta, e um livro seria para eles a coisa mais misteriosa e incompreensivel do mundo, arte do demonio, como ainda hoje nossos caboclos classificam o gramofone, o telegrafo e as mais coisas que não podem compreender.
Afinal mataram o prisioneiro, assaram-lhe a carne e comeram-na, regando abundantemente o banquete a potes de cauim.