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CARTAS DE INGLATERRA
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lettras, colheitas empenhadas, juros accumulados, protestos, o demonio — de que jámais se poderá desenredar. O resultado é previsto: o Lord (pelo seu agente) penhora-o, apossa-se do grão que está nos celleiros, do gado que está nos curraes, do pequeno bragal que está na arca, das arrecadas da mulher, das enxergas — e expulsa-o da casa e da propriedade — da casa que elle talvez construiu, da propriedade que elle com o seu trabalho melhorou! Tal qual como na meia edade.

Estas expulsões, que se chamam evictions, são o terror irlandez. Que ha-de fazer um miseravel com mulher, creanças, ás vezes uma avó entrévada, que se vê d’uma hora para a outra no meio de uma estrada, por um terrivel inverno, sem um farrapo para se cobrir, sem uma codea de pão, sem casa, sem destino e sem esperança? E note-se que isto passa-se em regiões como as da Irlanda, pouco habitadas, com um casal de legua em legua.

Esta falta de vizinhos torna estas expulsões mais terriveis. Quantas milhas a caminhar sob a chuva ou sob a neve, com as creanças chorando de fome, os doentes levados n’uma padiola, até que se encontre algum rendeiro mais feliz que ainda tem um canto de cabana onde azyle a familia errante! Mas por pouco tempo — porque todos são pobres, todos estão endividados, todos ameaçados da expulsão...