Página:Cartas de Inglaterra (Eça de Queirós, 1905).djvu/208

CARTAS DE INGLATERRA
193

Califa tem fallado repetidamente em proclamar um jehad — e todavia o estandarte do Propheta continuou enrolado nos sacrarios de Méca. E a minha opinião é que se elle fôsse um dia desenrolado — haveria apenas um pedaço de panno verde mais, fluctuando ao vento do ceu.

E querem que lhes diga porque? Porque penso que os mussulmanos estão a esta hora tão scepticos como nós outros, os christãos. Nas areias do deserto, como nas nossas praças allumiadas a gaz — já não será facil encontrar mil homens de boa vontade, que peguem em armas em nome do seu Deus.

De certo todo o bom mussulmano, a certas horas do dia, se orienta para o lado de Méca e se prostra nas reverencias rituaes: pura questão de educação, de boas maneiras, de habito, como nós outros tiramos o chapéu ao passar por um calvario de aldeia. Ou então, superstição vaga, vago terror nervoso, como o de certos philosophos e positivistas das minhas relações, que sempre, ao saltar da cama, fazem o signal da cruz.

Dentro do Alcorão vê-se já o caso melancolico de uma lei divina ir cahindo em desuso. O Sultão recebe a jantar os embaixadores, e bebe com elles champagne: a policia do Cairo prende os santos derviches vagabundos, e já não é respeitado o jejum do Ramazan.