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CARTAS DE INGLATERRA


Mas, com a chegada de dezembro, da neve, uma formidavel lei social, a fashion, obrigava os dez mil de cima a recolherem-se aos seus castellos, á solidão do campo. E ahi começava para as damas o tedio memoravel!

Quando se não tem um chateau e parque como os de Inglaterra, póde parecer um sonho de paraizo o viver n’essas faustosas residencias, entre maravilhas d’arte, accumuladas por gerações, com mobilias de duzentos contos, um serviço de sessenta criados, vinte cavallos na cocheira e um parque de trez legoas, um parque de romance, para passeiar sobre a neve dura quando o ceu brilha claro. Mas a desgraçada dama, desde o seu primeiro dente acostumada a tantos explendores, já lhes não encontra encanto; uma simples corrida, n’um velho fiacre de Londres, de loja em loja, é-lhe cem vezes mais doce.

Depois, a vida do castello é de um vasio pardo e tristonho. Os homens, esses, de manhã, teem a caça, os galopes furiosos, devorando prados, saltando sebes atraz de uma raposa espavorida, ao grito barbaro de hally-hó! Depois á noite, tomado o banho e vestida a casaca, tem o grog forte no fumoir. Mas as desgraçadas damas? Todas bebem grog — mas raras são as que caçam. O dia é-lhes lugubre. Uma burgueza, em Inglaterra, tem sempre uma occupação, mesmo nas existencias ricas: borda, pinta em porcellana,