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CARTAS DE INGLATERRA
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adiantar um metro na famosa estrada do progresso e da perfectibilidade: porque só algum ingenuo de provincia é que ainda considera progresso a invenção ociosa d’esses bonecos pueris que se chamam machinas, engenhos, locomotivas, etc., e essas prosas laboriosas e difusas que se denominam systemas sociaes.

Nos dois ou trez primeiros mil annos de existencia trepámos a uma certa altura de civilização; mas depois temos vindo rolando para baixo n’uma cambalhota secular.

O typo secular e domestico de uma aldeia Arya do Himalaia, tal como uma vetusta tradição o tem trazido até nos, é infinitamente mais perfeito que o nosso organismo domestico e social. Já não fallo de gregos e romanos: ninguem hoje tem bastante genio para compôr um côro d’Éschylo ou uma pagina de Virgilio; como escultura e architectura, somos grotescos; nenhum millionario é capaz de jantar como Lucullus; agitavam-se em Athenas ou Roma mais ideias superiores n’um só dia do que nós inventamos n’um seculo; os nossos exercitos fazem rir, comparados ás legiões de Germanicus; não ha nada equiparavel á administração romana; o boulevard é uma viella suja ao lado da Via Áppia; nem uma Aspasia temos; nunca ninguem tornou a fallar como Demosthenes — e o servo, o escravo, essa miseria