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Noite de S. João



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— A' fogueira!

Confluem todos para ella. A palhaça de milho sotoposta á lenha miuda que lhe servia de intestinos vê-se ateada em fogo pelos quatro lados. O fogo pega e é a principio uma crepitação indecisa, acompanhada d'um fumegar discreto. Depois, estrepitante, estala, e róla bojos de fumo espesso de dentro da prisão de tóros que quatro espeques de jissára mantem em fórma, escorados nos encruzes.

Pannos de labareda esgarçam-se, tentando seguir a fumaça faúlhenta em seu vertiginoso arranco para o alto. Um clarão vermelho illumina o terreiro e chapeia os vultos d'um debrum de cobre polido.

Barulham gritos, palmear de crianças, apupos e vivas aos quaes casam os bambús do recheio seus estouros de bombas. A faiscalha ascendente galga o céo recamado de estrellas como um chuveiro invertido.

O frio fino da noite attrahira os fandangueiros em torno á fogueira, de mãos espalhadas para o seu calor irradiante. Mãos e pés. Um diluvio de pés entanguidos, pés de marmanjões, pés calçados e «pés no chão», pézinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos — das criadinhas e molecotes, crias da casa, em alegre confraternisar apinham-se junto della nas mil attitudes do «aquentar fogo».

Furta-lhe a criançada os tições a geito e, guiada pelos mais peraltas, scinde-se em grupos para queimar traques da China ou bichas de rebear. O ar estrelleja ao estalo daquellas emquanto estas zigzangueam pelo chão chiando faiscas, como buscapézinhos de Liliput.

A' porta da casa escorva-se o primeiro pistolão de côr.

— Caminho, gente! «Evae» fogo!

Abre-se uma ala por onde, d'um repuxo de faiscas, jorra a primeira bomba d'um verde de doêr nos olhos.

O esverdeamento da scena attrae todos os olhares, seguidos d'um expontaneo e sincero «bonito!» Vem outra mais forte, vermelha, e outra azul, e outra branca... A cada plàft ha um voltar geral de caras e, ao ultimo, um: — «Que pena! Outro! Outro!» E os pistolões se succedem, com reboliços na molecada ao fim de cada um para a disputa do canudo.