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Pedro Pichorra



Quem dobra o morro da Samambaia, com a vista enjoada da verdura monotona, espairece na Grota Fria ao dar de chapa com uma sitioca pittoresca.

E passa levando nos olhos a impressão daquella sepia afogada em campo verde. Casebre de palha, terreirinho de chão limpo, mastro de Santo Antonio com desenhos já escorridos da chuva e bandeira rota, trapejante ao vento... Dois mamoeiros no quintal, apinhados de fructos; canteiros de esporinhas com periquito á roda e mangericões entreverados... Um pé de gyrasol, magro e desenxabido, a sopesar no alto uma rodella côr de canario; laranjeiras semi-mortas sob o toucado da herva passarinha...

Nos fundos da casa vê-se o lavadoiro, descoivarado apenas, num poço onde o córgo rebrilha tres palmos d'agua.

Sobre um taboão emborcado a meio lá está batendo roupa a Marianinha Pichorra, mulher do Pedro Pichorra, mãe de nove Pichorrinhas. E' alli o sitio dos Pichorras e até a Grota Funda já é conhecida por Fundão da Pichorrada.

***

Porque os antigos Pereiras de Souza, do Barro Branco, vieram a chamar-se Pichorras?

E' toda uma historia.

Pedrinho ia nos onze annos. Já se destabocára e já preferia, em materia de fumo, o forte, bem melado. Na vespera realizára o sonho de toda a criança da roça — a faca de ponta. Dera-lh'a o pae, como um diploma de virilidade. «Menino, d'ora avante és homem. Aggredido, não gritarás por gente grande; é mão na faca, pé atrás e corisco nos olhos».

Não lhe falou assim o pae, mas leu Pedrinho essa fala na lamina rebrilhante. Por isso irradiava d'orgulho, imaginando pégas, aloites, tempoquentes e tocaias onde a sardinha alumiasse.

O pae, áquell'hora de pé na soleira da porta, assumptava o céo. Viu que chover não chovia, e,

— Pedrinho! gritou para os fundos.

— Pae?

— Vá pegar a egua.

O menino passou mão do cabresto e mergulhou no pasto. Minutos depois rebentou trotando em pello a Serena, egua velha, de muita barriga mas aguentadeira.