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O plagio



— Você sae, Nenesto, com um tempo destes?

— Não ha outro.

— Dia de S. Bartholomeu, inda mais?...

— Importa-me la o santo.

— Está bem. Depois não se arrependa...

Isto dizia d. Eucharis ao «queixo duro» do seu marido, Ernesto d'Olivaes, ao vel-o tomar o chapeu do cabide e sair.

Fóra, remoinhava o vento, annunciando tempestade imminente.

Por castigo, nem bem caminhára o teimoso duzentos passos, desaba aguaceiro. Tão repentino que mal teve tempo de barafustar por um «sebo» a dentro no instante preciso em que o belchior cerrava a ultima folha de porta. Mesmo assim resfriou-se e foi com tres espirros que retribuiu á saudação do homem.

— Atchim!...

— Viva!

— Atchim!...

— Viva!

— Atchim... Brrr ! P'ra burro ! Espirro p'ra burro ! C'est le diable.

(Seculo trinta! Se por acaso um exemplar desta novella chegar ao conhecimento dos teus fariscadores de antigualhas, não se assombre elle com a expressão curralina do meu Ernesto. Nem quebre a cabeça a interpretal-a com ajuda da philologia comparada, da veterinaria e mais sciencias connexas.

Cá fica a chave do enigma: semelhante expressão viveu correntia, pelas immediações da Grande Guerra, com significado de abundante, excessivo ou estupendo. Nascida nalguma cocheira, alargou-se ás ruas, e passou desta aos salões. Penetrou até na rhetorica amorosa. Romeus houve que, pintando a formosura das respectivas Julietas, substituiam o archaico — lindo como os amores — por este soberbo jacto de impressionismo cavallar: E' linda p'ra burro!

Não obstante, as Julietas casavam com elles, e eram felizes. Lá se entendiam....)

O belchior era francez, e Ernesto taramelava na lingua adoptiva do sr. d'Avray o necessario para embrulhar lingua com um belchior francez. Sabia differençar femme sage de sage femme, distinguia chair de viande e alambicava a primor os u u gaulezes. Além disso tinha