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XI

do entendimento? De tudo isso; de toda essa mocidade brilhante e esperançosa, que resta? Algum crente solitário que deplora em silencio a queda de tantos archanjos. Os outros sacerdotes, apostatando da religião das lettras, attiraram-se á arena das facções, e manchados pela baba dos odios civis, cobertos da lama das praças, arroxeados e sanguentos pelas punhadas do pugilato politico, desbaratando em exforços estereis a seiva interior, lá vão disputando no meio de homens, gastos como a effigie de velha moeda, sobre qual ha de ser a forma do ataúde, e como se talhará a mortalha, em que o cadaver de Portugal deve descer á sepultura. Que outra coisa, de feito, ha ahi sobre que se dispute ainda?

Por isso, quando vejo começar a surgir entre nós um novo poeta; quando oiço a primeira harmonia que sussurra nas cordas de lyra noviça, quizera poder chegar-me escondidamente ao descuidado e inexperiente cantor, e dizer-lhe ao ouvido: Cala-te, alma virgem e bella, cala-te, que estás n’um prostíbulo! Olha que elles não te ouçam! Se o teu hymno reboar por essas torpes alcovas, sabe que pouco tardará a hora de te prostituíres.

O poeta portuguez d’hoje é a avezinha que, enlevada nos seus gorgeios, se balança depois do pôr do sol no ramo do ulmeiro pendente sobre o rio. As outras voaram para os seus ninhos, e ella deixou vir a noite, e ficou alli, triste, só, desconsolada, soltando a espaços um doloroso pio.

Poeta, n’esta terra é noite! Por que não te acolheste ao teu ninho? Agora o que te resta é morrer. Vae abrigar-te entre os orbes; vae derramar em canções a tua alma no seio immenso de Deos. Ahi é que sempre é dia.

Nós somos hoje o hilota embriagado, que se punha defronte da meza nas philitias de Sparta, para servir de licção de sobriedade aos mancebos. O Brazil é a moderna Sparta de que Portugal é a moderna Helos.

Estas amarguradas cogitações surgiram-me na alma, com a leitura de um livro impresso o anno passado no Rio de Janeiro, e intitulado: Primeiros Cantos: Poesias por A. Gonçalves Dias. N’aquelle paiz de esperanças, cheio de