Não! ‑ Resta‑lhe ainda outro: a religião do Cristo.
O presbitério, situado no meio da povoação, era um edifício humilde, como todos os que ainda subsistem alevantados pelos godos sobre o solo da Espanha. Cantos enormes sem cimento alteíam‑lhe os muros; cobre‑lhe o âmbito um teto achatado, tecido de grossas traves de carvalho subpostas ao tênue colmo: o seu portal profundo e estreito pressagia de certo modo a misteriosa portada da catedral da Idade Média: as suas janelas, por onde a claridade, passando para o interior, se transforma em tristonho crepúsculo, são como um tipo indeciso e rude das frestas que, depois, alumiaram os templos edificados no décimo quarto século, através das quais, coada por vidros de mil cores, a luz ia bater melancólica nos alvos panos dos muros gigantes e estampar neles as sombras das colunas e arcos enredados das naves. Mas, se o presbitério visigótico, no escasso da claridade, se aproxima do tipo cristão de arquitetura, no resto revela que ainda as idéias grosseiras do culto de Odin não se tem apagado de todo nos filhos e netos dos bárbaros, convertidos há três ou quatro séculos à crença do Crucificado.
O presbítero Eurico era o pastor da pobre paróquia de Cartéia. Descendente de uma antiga família bárbara, gardingo na corte de Vítiza, depois de ter sido tiufado ou milenário do exército visigótico vivera os ligeiros dias da mocidade no meio dos deleites da opulenta Toletum. Rico, poderoso, gentil, o amor viera, apesar disso, quebrar a cadeia brilhante da sua felicidade. Namorado de Hermengarda, filha de Favila, duque de Cantábria, e irmã do valoroso e depois tão célebre Pelágio, o seu amor fora infeliz. O orgulhoso Favila não consentira que o menos nobre gardingo pusesse tão alto a mira dos seus desejos. Depois de mil provas de um afeto imenso, de uma paixão ardente, o moço guerreiro vira submergir todas as suas esperanças. Eurico era uma destas almas ricas de sublime poesia a que o mundo deu o nome de imaginações desregradas, porque não é para o mundo entendê‑las. Desventurado, o seu coração de fogo queimou‑lhe o viço da existência ao despertar dos sonhos do amor que o tinham embalado. A ingratidão de Hermengarda, que parecera ceder sem resistência à vontade de seu pai, e o orgulho insultuoso do velho prócer deram em terra com aquele ânimo,