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Os mares pareciam naquela hora recordar‑se ainda do rugido harmonioso do estio, e a vaga arqueava‑se, rolava e, espreguiçando­‑se pela praia, refletia a espaços nas golfadas de escuma a luz indecisa dos céus.

E o animal que ri e chora, o rei da criação, a imagem da divin­dade, onde é que se escondera?

Tremia de frio em aposento cerrado, e sentia confrangido a brisa fresca do norte que passava nas trevas e sibilava contente nas sarças rasteiras dos maninhos desertos.

Sem dúvida, o homem é forte e a mais excelente obra da criação. Glória ao rei da natureza que tiritando geme!

Orgulho humano, qual és tu mais ‑ feroz, estúpido ou ridículo?

2

Não eram assim os godos do oeste quando, ora arrastando por terras as águias romanas, ora segurando com o seu braço de ferro o império que desabava, imperavam na Itália, nas Gálias e nas Es­panhas, moderadores e árbitros entre o Setentrião e o Meio‑dia:

Não eram assim, quando o velho Teodorico, semelhante ao urso feroz da montanha, combatia nos campos cataláunicos rodeado de três filhos, contra o terrível Átila e ganhava no seu último dia a sua última vitória:

Quando a larga e curta espada de dois gumes se convertera em foice da morte nas mãos dos godos, e diante dela retrocedia a cava­laria dos gépidas, e os esquadrões dos hunos vacilavam, dando roucos gritos de espanto e terror.

Quando as trevas eram mais cerradas e profundas viam‑se à claridade das estrelas relampaguear as armas dos hunos, volteando em redor dos seus carros, que lhes serviam de valos. Como o caçador espreita o leão tomado no fojo, os visigodos os vigiavam esperando o romper da alvorada.

Lá, o sopro gelado da noite não fazia confranger nossos avós debaixo das armaduras. Lá, a neve era um leito como outro qual­quer, e o rugir do bosque, debatendo‑se nas asas da tempestade, era uma cantilena de repouso.

O velho Teodorico caíra atravessado por uma flecha despedida pelo ostrogodo Handags, que, com os da sua tribo, combatia pelos hunos.