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Esforçamo-nos por ser sempre precisos e concisos todas as vezes que o pudemos, sem prejuízo do sentido, para compensar com estas virtudes a constante harmonia e consonância do latim, espécie de língua musical, mui diversa neste ponto dos idiomas que falamos hoje, mais próprios para exprimir o movimento e rapidez que a majestade e cadência sustentada dos sons, as quais, quando empregadas a propósito pelos oradores romanos, faziam romper em aplausos o mesmo povo ignorante.

Assim, por exemplo, os verbos que vem ordinariamente no original colocados no pretérito perfeito por causa da harmonia e consonância das respetivas terminações os pusemos nós na tradução as mais das vezes no presente, para dar a precisa rapidez à narração histórica, como em casos tais praticam os nossos bons autores.

Não poupámos entretanto diligência para corresponder no português à harmonia do latim, empregando com preferência, quanto à sintaxe das proposições, a ordem inversa mais análoga à indole da língua que a direta, e adotando, quanto à das palavras, a mais ajustada colocação de complementos dos sujeitos e atributos, que nos foi possível combinar.

No que, porém, respeita à versão do pensamento, e expressão natural ou figurada, nunca achámos menos a língua portuguesa, filha legítima da latina, tanto na estrutura das vozes, como em muitas maneiras de dizer análogas e até idênticas. Assim, se nesta parte se notarem faltas na tradução, a nós unicamente nos devem ser atribuídas, e não ao nosso belo idioma que é um dos mais ricos e abundantes, quer em variedade de construções e idiotismos, quer em cópia da termos expressivos, sonoros e acomodados a todo gênero de assuntos.

Uma das grandes dificuldades das versões do latim para os modernos idiomas é certamente a passagem dos longos discursos indiretos, a que se prestam admiravelmente os infinitivos latinos, dependentes pela mor parte ou de verbos do modo finito ocultos, ou ainda de verbos desse modo e simples substantivos claros, que contenham em si a força dos verbos, DIZER, EXPOR, ANUNCIAR, ou outros análogos, mas julgamos havê-la superado auxiliados com as variadas construções do português, como emprego de infinitivos pessoais, elipses da conjunção QUE,