Entre a moral e a ciência criptográfica

A criptografia, portanto, desempenha uma função de “embargo” tecnológico ao acesso não autorizado ou abusivo às comunicações e aos dados. Isso faz dela não somente um instrumental necessário ao exercício de direitos, mas a entrelaça, para além da formulação de políticas públicas, com uma responsabilidade social do desenvolvimento tecnocientífico.

No ensaio “The Moral Character of Cryptographic Work”, Phillip Rogaway, professor da Universidade da Califórnia, remonta ao significado do Projeto Manhattan e às posteriores reflexões sobre as justificativas que norteiam a moral latente do trabalho cientifico para re-enquadrar o papel dos criptógrafos em uma era pós-Snowden. Durante a Segunda Guerra, físicos e matemáticos aderiram ao uma estratégia política supostamente necessária à sustação do holocausto e do expansionismo nazista através da participação em projetos de fabricação de armas de destruição em massa. Da mesma forma, após os atentados de 11 de setembro de 2001, a comunidade de cientistas da computação, incluindo criptógrafos, cederam a um patriotismo atiçado por um novo projeto político, dessa vez da “guerra ao terror”.

Como resultado, se uma revisão foi operada pela comunidade de físicos após o trauma histórico de Hiroshima e Nagasaki, com uma clara sinalização ao humanismo através do Manifesto Russell-Einstein[1] ou com a crise existencial de Robert Oppenheimer[2], os criptógrafos

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  1. “Precisamos pensar de uma nova forma. Precisamos aprender a nos perguntar não que passos podem ser dados para dar a vitória militar a qualquer grupo que preferirmos, pois não existem mais tais passos. À questão que precisamos nos perguntar é: quais passos podem ser dados para impedir uma corrida militar a partir da qual os problemas serão desastrosos para todos?” (trecho em tradução livre). BORN, Max e outros. The Russell-Einstein Manifesto. Student Pugwash Michigan, 1955. Disponível em http://umich.edu/-pugwash/Manifesto.html .
  2. ANDERSON, Tim. Oppenheimer's Dilemma. Stanford University. 2016. Disponível em http://large.stanford.edu/courses/2016/ph241/anderson1/ .