Página:Diana de Liz - Memorias duma mulher da epoca.pdf/71

duma mulher da epoca


Terça-feira, 18.

Gilberto disse-me, hoje, interrompendo uma caricia:

— Sabes? Há pouco, antes de aqui chegar, encontrei Luciano e, enquanto apertavamos as mãos, o coração contraia-se-me; lembrei-me de que vinha beijar uma mulher que ele ama... E' uma idéa que me confrange... Eu sou muito, muito amigo dêle... E essa amizade faz nascer como que uma nuvem entre mim e ti...

As alusões a Luciano são agora infaliveis em todas as minhas conversações com Gilberto, que parece ter um prazer cruel em repetir que Luciano me quer verdadeiramente e em ínsinuar que, ao estreitar-se esta nossa ligação, eu já sabia que eles eram amigos intimos — atribuindo-me assim um perversissimo capricho... Estas insinuações ferem, pela sua injustiça; prefiro ser victima duma infamia propriamente dita a saber que em espirito alheio se gerou uma suspeita injusta a meu respeito... Protesto, revoltada, contra as crueldades que brotam da boca ardente, satírica, de Gilberto, mas a minha agitação transmuda-se, como por magía, em submissa brandura — logo aos primeiros beijos dêle, após a discussão...

E sofro sempre. No instrumento delicado, estranho, que é a minha alma, partiu-se já a corda heroica do

— 69 —