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não conhece o valor da sýllaba ca, e representa-se cama por esta fórma ka-ma; ora, quem ignora o valor da sýllaba ca, com mais razão devia ignorar o valor da sýllaba ka; mas, se quiser saber lêr kali, acha apenas ká-li, sem que o diccionário lhe diga como se pronuncía a primeira daquellas duas sýllabas.

Se a questão capital é a vogal tónica, dispensemos o inútil e incoherente formulário sónico, e sirvamo-nos dos conhecidos accentos gráphicos, que são prata de casa e bôa de lei, se bem que reduzida e modesta, como de casa que não é rica.

Depois, um português, que consulta o diccionário da sua língua não precisa que lhe ensinem como se pronuncía bello, grande, casa, abril, andar, vestir, campo, etc., etc. A difficuldade reduz-se apenas á correcta pronúncia das palavras agudas e esdrúxulas, (manganés, pállido...), e ainda das graves, em que a vogal tónica tem modulação excepcional, (cêdo, perdigôto...), como das palavras homógraphas, em que a pronúncia diverge, (séde e sêde, rôla e róla, tópo e tôpo, bêsta e bésta...) Para êstes casos, o accento agúdo e circunflexo, e para alguns outros o accento grave e o trema, são elementos bastantes para um regular systema prosódico. Assim o entenderam, e assim o praticaram judiciosamente, os nossos velhos lexicógraphos.

Não me refiro por ora á vantagem ou necessidade da accentuação gráphica na escrita corrente de qualquer obra. Refiro-me exclusivamente ao léxico, em que há necessidade e obrigação de indicar a prosódia.

Como é sabido, e desde longa data, o accento agudo tem servido especialmente para mostrar que uma vogal tem modulação aberta, (avó, rapé, sinhá, séco, bésta...), como o accento circunflexo para mostrar que uma vogal tem modulação fechada, (avô, português, bêsta, sêco...) Para as vogaes surdas e para outros valores do e, não temos, e aínda mal, sinaes diacríticos, bastando-nos todavia a indicação de que o A, o E e o O em sýllabas finaes, desacompanhados de accentos gráphicos, têm modulação surda, e o E antevocálico e não tónico, como em grupos ditongaes, tem o valor de i, como em ideal.

Entre quantos, em Portugal, se occupam hoje da sciência da linguagem, difficilmente se encontrará quem não advogue, para qualquer trabalho escrito, a necessidade de accentuação gráphica dos proparoxýtonos ou palavras esdrúxulas: pállido, tépido, hýbrido, autómato, hippódromo, túmulo...

A divergência está apenas em que alguns eruditos, que eu respeito e estimo, só admittem o accento agudo como sinal de vogal tónica.

E assim, aínda que a vogal tónica tenha modulação fechada, como em esplendido, languido, hellespontico, infancia, êlles accentuam infáncia, hellespóntico, lánguido, espléndido. E contudo aquellas vogaes tónicas têm modulação fechada, e para esta modulação criou-se o accento circunflexo.

Quando digo que a vogal tónica de explêndido, cândido, etc., tem modulação fechada, não ignoro que tal vogal é aberta entre o povo do Minho e em parte da região do Doiro; mas êsse restricto patoá não invalida o que possa dizer-se da orthoépia geral do país. Nem o cáurdo (caldo) e o sourdado (soldado) do povo minhoto; nem o vinégre (vinagre) do baixo Alentejo, nem a epidêmia (epidemía) e o lête (leite) do Algarve, nem o espeilho ou espâlho (espêlho) de Lisbôa e Aveiro, nem o lisboêta riu Tejo (rio Tejo), etc., poderão nunca influir na representação da pronúncia geral do país.

Ora, a questão prosódica não está simplesmente em distinguir-se a vogal tónica; está também em distinguir-se a modulação das vogaes O, E e A; e, se o accento circunflexo fecha a modulação, tenho difficuldade em admittir accento agudo sôbre uma vogal de modulação fechada, como nos exemplos citados.

Bem sei que, por qualquer lado que se procure resolver a questão, a solução nunca será isenta de dúvidas, conhecida a pobreza dos nossos sinaes diacriticos; mas afigura-se-me que, accentuando circunflexamente lânguido, explêndido, etc.; e, sabendo-se que as vogaes O, E, A, quando nasaes, têm sempre modulação fechada, póde concluir-se que o accento circunflexo se empregou, não para indicar a modulação, mas, sim, a vogal tónica.

Eu sei também que na escrita castelhana o accento agudo designa a vogal