CAPITULO I
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eu — foram suas palavras ao embaixador — que se o paiz não se acha presentemente governado por uma Carta, é porque a intromissão dos soberanos alliados, e isto sómente, obstou a que eu executasse o meu compromisso. Não achei ensejo de realizal-o sem perigo». E como A' Court lhe recordasse que a Grã Bretanha não deixaria de guardal-o contra as aggressões de fóra, elle respondeu com o seu habitual bom senso: «Não era uma franca aggressão de fóra que eu receava: era a animação dada ás facções dentro do paiz».

Os cartistas (que assim já podem ser denominados os liberaes moderados) defendiam-se com effeito bem da imputação de um attentado apontando para o proveito que para elles residia na preservação da pessoa real, contra a qual eram impotentes comparativamente os constitucionaes democraticos de 1820, perseguidos, foragidos ou exhaustos de meios e que aliás nunca tinham votado odio ao Rei. Só os absolutistas ferrenhos, amigos da Rainha e do infante, lucrariam, diziam os seus contrarios, com o regicidio, o qual se assegurava estar previsto ou annunciado em cartas, restando ainda saber se estas eram veridicas ou apocriphas.

Tambem não se pode jurar serem mais do que coincidencias, posto que estranhas, a morte repentina do cirurgião Aguiar, valido real, victima, segundo uns, de um suicidio commettido pelo remorso do seu acto ou pela desesperação da perda do seu bemfeitor, sacrificado, segundo outros, pelos cumplices « para maior firmeza do fatal segredo»; o fallecimento, igualmente subito, do medico barão de Alvaiazere, que se atrevera a fallar em veneno e assim encontrava n'outro veneno o castigo da sua indiscreção, e outro obito anterior, o do cosinheiro do Paço, Caetano, que, convidado, se não teria prestado ao nefando crime[1].

Tudo isto dá que pensar e era de natureza a ser facilmente explorado. Por outro lado é verdade que os moderados deviam sympathizar com Dom Pedro, o qual se apregoava mação, vindicava a memoria de Gomes Freire e aconselhava ao pai que outorgasse uma Constituição. Não podia o Imperador inspirar confiança, quer aos democratas das Côrtes, a quem qualificara de infames despotas, quer aos reaccionarios contra as Côrtes, pois que condemnara os desatinos do irmão.

  1. Revista Historica de Portugal desde a morte de D. João VI até o fallecimento do Imperador D. Pedro. 2.ª ed., Porto 1816.