tença e fazem uma d’essas horripilantes desafinações sociaes só comparaveis ás d’uma orchestra, sem regente e sem batuta, em que cada instrumento geme, silva, tilinta, ou rebumba uma musica diversa e contraria. Tudo isto é um erro — e os theoricos que a sustentam nunca foram, como eu, ao Salão, no dia da sua abertura, quando em materia d’Arte cada cabeça, depois de ter pago a entrada, póde liberrimamente proclamar a sua sentença. Se tivessem feito essa peregrinação instructiva, verificariam que o servilismo intellectual é no homem um vicio irreductivel, e que por mais que se lhe facilite o largo e livre exercicio da razão, e que se lhe ensine a sacudir o despotismo dos Oraculos, sempre elle por instincto, por covardia, por indolencia, por desconfiança de si proprio, abdicará o direito de pensar originalmente e se submetterá com prazer, com allivio, a toda a Auctoridade, que, á maneira de um pastor entre um rebanho, se erga, toque a buzina e lhe aponte um caminho com o cajado. Realmente a humanidade é gado — e o primeiro movimento de toda a cabeça livre é pender para o sulco aberto, enfiar para debaixo da canga.

Estas reflexões, de resto pouco novas, (miraculoso seria que ao fim de tantos seculos ainda se pudessem desenterrar novidades do fundo da indole humana) as fiz eu, com alguma tristeza misturada de muita alacridade, notando para que quadros e para que estatuas se dirigiam, no Salão, a curiosidade e a admiração do publico.