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por assim dizer, a bem da verdade, das nossas lendas e tradições nacionaes, com que os nossos Herodotos haviam bordado a historia dos primeiros tempos. Era preciso que outra mão fosse respigando na seara cortada, como Rutth. Só um poeta, com a sua vara magica, poderia fazer apparecer os thesouros da imaginação. O sr. Castilho votou-se á empreza. Mas como? Falto de imaginação lançou-se a romancear a capricho aquellas lendas que já estavam dramatisadas na ingenuidade da chronica pelos bons Froissarts. Assim falsificou-lhes o espirito, dando-se-nos como contemporaneo d'ellas. É uma atrocidade imperdoavel, tanto maior, quanto n'este tempo já tinha apparecido o livro monumental de Jacob Grimm sobre as Tradições allemãs, em que o moderno Du Cange, depois de haver consumido dez annos de vida n'esse trabalho, ensina como se restauram estas preciosidades. As grandes descobertas são para todos.

Já nos Quadros se nota em sua excellencia, um desejo de imitar aquella esperteza de Chartterton que inventou o monge Rowley, a intuição de Macfferson inventando Ossian, ou o ardil de Psalmanazar que imaginou um outro Japão. Escrevendo o Auto da boa Estreia deu-se por muito feliz em enganar o consciencioso bibliographo José Maria da Costa e Silva no seu Ensaio bibliographico critico.

A arte não é isto! a mentira é uma perversidade de morte, principalmente no que toca ao sentimento, que não discute, mas se deixa impressionar sómente. Não é assim que se é pontifice das letras.

Digamos a verdade toda. O sr. Castilho deve a sua celebridade á infelicidade de ser cego. O que se espera de um cego? Apenas habilidade. É uma celebridade triste porque tem origem na compaixão, e a compaixão fatiga-se. A primeira