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Mas não é esta ainda a pedra de escandalo; não é essa a grande virtude, que nos obrigou a crucificarmos o sr. Anthero do Quental entre o sr. Theophilo Braga, e o sr. Vieira de Castro. Que este ultimo já provavelmente é repellido como traidor, por que o sr. Vieira de Castro actualmente falla, com eloquencia ou sem eloquencia, não é essa a questão, mas pelo menos na linguagem terrestre. Esse renegou; mas ao sr. Theophilo Braga é que naturalmente o Christo coimbrão abre o seio carinhoso, a esse é que elle diz: Hodie mecum eris in paradiso.

A maxima virtude d'essa escola, a que excita as nossas iras, é a sua adoração pelo ideal, o sacerdocio augusto que esses poetas exercem. Isso sim, isso é que nós não percebemos, por isso é que os apedrejamos.

O ideal! mas o ideal deriva de idéa, e a idéa é o que eu em vão procuro por baixo da tumida crosta das suas poesias. Vejo o sr. Anthero do Quental ora abolir Deus, ora proclamar a obediencia dos astros á lei do infinito. Mas o que é o infinito? É a materia? Materia e infinito são duas palavras que andam aos pontapés uma á outra, como as rimas do sr. Anthero. Mas, admittindo a conciliação do inconciliavel, se é materialista, o que faz o distincto poeta ao ideal, que adora? É por fim de contas um ideal de convenção, bom para produzir effeito, mas em que o poeta não crê? Esse novo idolo teve a sorte de todos os idolos, e são os seus sacerdotes os primeiros que zombam d'elle, zombando do crédulo publico?

Ah! não profane esse nome sagrado, não beba nos vasos santos o vinho dos seus desvairamentos! E sobretudo não profira os grandes nomes de Dante e de Shakespeare, pallido Saul tremente perante as sombras que evoca! E se persistir n'isso, se quizer por força que desçam do altar dos seculos o velho florentino e o tragico britanno, acautele-se porque o bando pueril de que é chefe e que entrou sorrateiramente no templo do ideal por descuido dos sachristães, póde ser escorraçado e disperso, não pelo chicote, que serviu a Jesus para expulsar os mercadores, mas pela férula, que castiga as travessuras das creanças, que vão brincar com coisas de que nada entendem.

Dante era um barbaro, e Shakespeare tambem, diz o sr. Anthero do Quental, reclamando a confraternidade da barbaria. Engana-se; o sr. Anthero não é um barbaro, é um grego do Baixo Imperio. A sua escola é a turba de vermes, que brota da putrefacção de uma litteratura. É para os grandes homens do romantismo o que foi Claudiano para Virgilio, Marini para Tasso, Campistron para Corneille. A apparição da sua escola é um facto mil vezes repetido na historia litteraria, e a que inevita-