lugar commum. Com ser breve, não deixa todavia de ser energica a descripção desta peste: em um pequeno quadro, vê-se a corrupção infectando os ares e as plantas e os homens, os campos estereis, a seara enfezada negando o pão, as hervas sêccas, os corpos a definhar. Observe-se que neste livro Enéas se apressa, ad eventum festinat; só se demora no mais interessante, ou quando os acontecimentos tem relação com o facto que mais o magoava, a quéda de Troia. Isso convinha a uma narrativa de sua natureza extensa, e o bom gôsto impunha-lhe a obrigação de resumir-se. — Nenhum dos outros livros encerra tanta variedade como este. Aos criticos tem aprazido alcunhal-o de frio, esquecidos de que ha nelle o encontro de Enéas com Andromacha, o túmulo de Polydoro, o painel do Etna e dos Cyclópes, superior ao de Homero, o episodio de Achemenides, a fábula das Harpyas, a pintura de Scylla e de Charybdis. Este livro corre fado contrário ao todo da Eneida: os amadores acham-na[1] excellente, mas, se fôssem verdadeiros os senões que lhe notam, pouquissimo lhe restava de bom; o livro he tachado de sêcco, sem grandeza nem imaginação, mas, contados os versos dos lugares que louvam, conclúe-se que em geral he obra de primor, sôbretudo ninguem lhe negando harmonia e riqueza de estilo. Reprova-se a miuda relação geographica ahi contida, sem se lembrarem que, na era de Virgilio estando a navegação bem atrasada, essa relação excitava um interêsse vivissimo. Em tempo comparativamente moderno, ha tres seculos, fez Camões a descripção circumstanciada da Europa no seu immortal poema, o que então foi optimo e acceito; hoje tacham-no tambem da mesma pecha que a Virgilio: nós os Brazileiros e Portuguezes perdoamos aos estrangeiros esse juizo de máo gôsto, porque elles pela maior parte não conhecem assás o portuguez para saborearem a erudição recondita, os toques sublimes e maviosos, a harmonia contínua dessa bella passagem, e fallam de Camões sem o terem meditado, e alguns, nem lido.

147-171. — 157-181. — «On est tenté de trouver quelque ridicule dans les oracles, qui ne s'expliquent qu'à moitié, et qui égarent, par une funeste ambiguité, de malheureux bannis; ainsi que dans l'apparition de ces dieux pénates, qui redressent les torts de l'oracle de Delphes.» Quem ouve a Delille esta, que tem sido a cantilena de outros criticos, pensará que Virgilio traz por todo o Mediterraneo a Enéas illudido pelos oraculos: a verdade he que, sahindo elle de Troia, vai a Thracia, donde o aparta o prodigio de Polydoro; chega a Delos, onde consulta a Anio, e uma só vez a má interpretação do oraculo o leva a Creta em vez de ser á Italia. Se he isto condemnavel, quanto não deve ser arguído Racine que, durante cinco actos, faz do equivoco do nome Iphigenia o nó da sua bella tragedia? Os oraculos não se explicavam jamais com bastante

  1. Está parecendo que deveria ser no.