Francisco de Moraes, compoz dous desencantamentos, este que mencionámos, e o da mesma Leonarda pelo cavalleiro do selvagem e por Daliarte do Valle-Escuro; isto com tal invenção, que nos dous desencantamentos não ha lance em que um se pareça com o outro. Não he de balde que Cervantes queria uma caixa onde o Palmeirim fôsse guardado com as obras do poeta Homero; não he de balde que Walter-Scott falla delle com tanto louvor.
Quem attentamente examinar o episodio de Camões e o poema de Moraes, autores que escreveram antes do Tasso, verá que este se aproveitou assim de um como do outro, se bem de um modo magistral e com toques originaes. O palacio de Armida não he o mesmo que o de Leonarda, mas offerece muitos pontos de contacto; e no desencantamento da selva, operado pelo bravo Reinaldo, bem se conhece que não foi inutil a Tasso a leitura de Moraes, assim como a este não o tinha sido a do Orlando furioso. Os poetas aprendem uns dos outros; o que nada obsta ao talento e á fôrça creadora; antes, como diz Mme de Staël, fallando de Petrarca e de seus profundos estudos, conhecer muito serve para inventar, e o genio he tanto mais original, quanto, semelhante ás fôrças eternas, sabe estar presente a todos os seculos.
Ao concluir esta refutação, não quero dissimular que na ilha dos amores ha quatro ou seis versos condemnaveis, por contêrem idéas lascivas, se bem exprimidas com palavras decentes; e não he só nesta linda composição que deve ser Camões reprehendido por taes descuidos, de que Virgilio nunca lhe deu o exemplo. Esses versos comtudo não podem embaciar o esplendor de um episodio que abrange boa parte do canto nono e entra muito pelo decimo, no fim do qual ha pensamentos grandiosos, da mais bella poesia e da moral mais sublime.