NOTAS AO LIVRO XI.


22-181. — 20-177. — As bellezas que ha nestes funeraes, na pintura do aio Acetes, e na do misero Evandro que ficava sem posteridade, não se podem enumerar; he mister sentil-as. Esta nota he para justificar Virgilio de duas arguições: 1º que o pio Enéas immola no túmulo de Pallante alguns dos prisioneiros; 2º que elle mata, no desfecho do poema, o seu rival Turno, apezar das preces do vencido. — Quanto á primeira arguição, opponho que pius significa religioso, temente aos deuses, amante de seu pae e familia; e, aindaque extensivamente signifique compassivo, a superstição e o habito arrastavam o chefe a crêr indespensavel tam barbaro sacrificio para aplacar os manes do morto. Enéas, bem que amigo da justiça, tinha as preoccupações do seu tempo, e a dureza de guerreiro o assaltava tambem: o seu natural o levava á compaixão; a colera, que lhe accendera a morte de Pallante, emprestou-lhe a crueldade que exerceu. Virgilio certamente não approvava esta acção; mas quiz nella pintar aquelle seculo feroz, em que os proprios homens bem formados não sabiam sopear sempre os impetos da vingança. E nós os christãos, criados com o leite puro da vera doutrina, esclarecidos á luz do evangelho, não temos por grandes e pios, mesmo por santos, a homens que obraram peior que Enéas? Se lhes perdoamos, devemos desculpar o furor de um pagão. Repetirei o que dice em outra nota, que Enéas só foi duro depois que lhe roubaram Pallante; e com taes rigores tambem tinha em vista aterrar e abreviar a guerra. De mais, a experiencia mostra que a ira he desmedida nos que raramente sam della assaltados. — Quanto á morte de Turno, a crítica nem mereceria resposta, se não fôsse tantas vezes renovada. Escolhi este lugar para a combater, por ser nele que vem a plena justificação do poeta. Enéas, acolhido pelo antigo hóspede de Anchises, tudo obtem da sua benevolencia, guerreiros, cavallos, víveres, a alliança de Tárchon e dos Tyrrhenos: e até um filho unico lhe confia Evandro, apezar dos seus tristes pressentimentos. Pallante, na flor dos annos, bravo, generoso, depois de ter obrado prodigios de valor, morre ás mãos de Turno, não em um encontro fortuito, mas por querer de proposito o rei dos Rutulos causar tamanha dôr ao pae, e mesmo na occasião dice que desejava alli a Evandro para testemunhar a scena. Soube-o Enéas, accusa-se de não ter precavido aquelle desastre; faz ao morto um pomposo funeral, e o envia a Pallantéa. Evandro sólta-se em pranto; mas a final, como se Enéas estivesse presente, rompe nestas vozes: «Se a luz nesta orphandade eu soffro,