Phedro, contra quem em suas arriscadas conjecturas se mostra não pouco injusto, o exila e quasi o colloca nos tempos da decadencia das letras romanas! dizendo que a isso o condemna par un emploi affecté et continuel de l'abstrait pour te concret, ce qui donne à sa poésie un faux air de prose, et change sa gravité en froideur: e, entre os exemplos que aponta para fundamentar a sua asserção, cita o coli longitudinem do li. I, fab. 16. Estou com Mr. Nisard na convicção de que he vicioso o continuado emprêgo do abstrato pelo concreto; mas, longe de pensar que empresta á poesia um falso ar de prosa, penso que he na poesia que mais vezes pode isso ter lugar, pois nella de certo melhor assentam as figuras. O exemplo do coli longitudinem foi mal escolhido: até hoje tem os criticos louvado esta expressão, porque longitudinem em que termina o verso, compondo-se de cinco syllabas, representa o comprimento do pescoço; e assim tem a mesma graça do attolentem iras de Virgilio, do dilatadissimos caminhos de Basilio da Gama, prodigalidade de moedas de Ferreira. Os Francezes tem sempre na mente o seu La Fontaine quando fallam de Esopo e de Phedro, e no gabar a excellencia do poeta nacional, como que dam pouca importancia aos innumeraveis emprestimos do fabulista moderno; e elles, que na comparação de Virgilio com Homero avaliam em muito menos o estilo que a invenção, na comparação de La Fontaine com os dous como que fazem mais caso do estilo. Se La Fontaine dos mesmos assumptos ás vezes tirou mais partido, não o deveu somente ao seu innegavel ingenho, mas tambem ao saber e á experiencia que tantos seculos amontoaram. Tornando á questão, o coli longitudinem, alêm da graça referida, encerra maior emphase do que pescoço longo; assim como na vulgar e chula expressão franceza pied-de-nez ha mais energia, do que se se dicesse nez d'un pied. A crítica de Mr. Nisard melhor assenta em alguns escritores da sua nação, e em não poucos Brazileiros e Portuguezes que, os imitando, não dizem mais um homem notavel, um homem illustre, e sim uma notabilidade, uma illustração.

403-406. — 422-425. — Note-se com que bom gôsto, imitando este lugar, muda Camões o epitheto ardentia: Virgilio chama ardentes os olhos da prophetiza Cassandra, a quem traziam arrastada; Camões chama piedosos os olhos de Ignez, que em lagrimas buscava commover a D. Affonso.

428. — 449. — Alguns interpretam dis aliter visum como um princípio de impiedade, havendo o poeta quatro versos atrás affirmado que nada ha seguro sem a vontade divina: Heu! nihil invitis fas quemquam fidere divis. Muitos, entre outros Chateaubriand, diceram com mais acêrto que Virgilio adivinhara o