nem sequer sam mencionados.» Esta crítica he uma cópia do livro IV das Georgicas no episodio de Orpheu. Não devendo o poeta introduzil-o na Eneida, omittiu aqui isso que não podia reproduzir com tanto successo. Alêm de que a repetição teria os ares de um lugar commum, se os criticos o reprehendem por haver na sua epopéa mettido um ou outro verso das Georgicas, o que não discorreriam se elle nesta passagem tivesse copiado um trecho inteiro, que tam formosamente quadra ao plano daquelle poema? He forte mania a de quererem alongar a Eneida! Seu autor he tam recommendavel pelo que exprime, como o he muitas vezes pelo que sabe calar: a precisão he o cunho das suas poesias.

18. — 19. — Traduzi Eneia, e não Enos, porque esta cidade era mais antiga do que a edificada por Enéas, na Thracia. Veja-se o diccionario de Calepino e a nota accurada de Mr. Villenave.

21. — 21.22. — «Espantam-se os intérpretes de que Virgilio fizesse immolar um touro a Jupiter, quando os antigos convem em que nunca se lhe sacrificava touro ou carneiro. Crê Macrobio que este êrro de Enéas agastou o senhor dos deuses, e produziu o horrivel prodigio aterrador do filho de Venus. Portanto, em vez de enxergar uma falta em Virgilio, descobre um rasgo de ingenho. He abusar um pouco do privilegio da interpretação.» Isto he do citado Mr. Villenave; e eu respondo que condemnar sem exame he abusar um pouco do privilegio de crítico. Se consultasse os commentarios do cruditissimo João de la Cerda, pag. 271 do tom. I, veria que, segundo Herodoto, liv. VI, Demarato sacrificou um touro ao pae dos deuses; que o mesmo fez publicamente Aristides; que Juliano Cesar, na epist. a Libanio, diz: mactavi Jovi regaliter taurum candentem; e Arnobio, liv. VII: Quid applicitum Jupiter ad tauri habeat sanguinem, ut ei debeat immolari, non debeat Mercurio, Libero? Os consules romanos (costume do seu Enéas derivado, como opina o mesmo sabio commentador) offereciam hecatombes a Jupiter.

22-68. — 23-73. — Este episodio, util ao andamento do poema, foi imitado por Ariosto e por Tasso, e recordado por Camões: teve porêm a mofina de desagradar a Mr. Tissot, que acha aqui Virgilio inferior a Euripides e a Ovidio, por se têr privado da presença, da dôr, do desespêro e da vingança de Hecuba. Euripides e Ovidio podiam e deviam servir-se da personagem de Hecuba; ao passo que Enéas, desembarcando na Thracia um anno, ao menos, depois da morte de Polidoro, já não podia encontrar-se com Hecuba: sem embargo do que, o autor fez o episodio interessantissimo, descrevendo o prodigio com pincel de mestre, e aproveitando o ensejo para nos recommendar o respeito que se deve aos tumulos e nos dar proficuas