— Flora nasceu no Ministério Rio Branco, e foi sempre tão fácil de aprender, que já no Ministério Sinimbu sabia ler e escrever correntemente.
Era retraída e modesta, avessa a festas públicas, e dificilmente consentiu em aprender a dançar. Gostava de música, e mais do piano que do canto. Ao piano, entregue a si mesma, era capaz de não comer um dia inteiro. Há aí o seu tanto de exagerado, mas a hipérbole é deste mundo, e as orelhas da gente andam já tão entupidas que só à força de muita retórica se pode meter por elas um sopro de verdade.
Até aqui nada há que extraordinariamente distinga esta moça das outras, suas contemporâneas, desde que a modéstia vai com a graça, e em certa idade é tão natural o devaneio como a travessura. Flora, aos quinze anos, dava-lhe para se meter consigo. Aires, que a conheceu por esse tempo, em casa de Natividade, acreditava que a moça viria a ser uma inexplicável.
— Como diz? inquiriu a mãe.
— Verdadeiramente, não digo nada, emendou Aires; mas, se me permite dizer alguma coisa, direi que esta moça resume as raras prendas de sua mãe.
— Mas eu não sou inexplicável, replicou D. Cláudia sorrindo.
— Ao contrário, minha senhora. Tudo está, porém, na definição que dermos a esta palavra. Talvez não haja nenhuma certa. Suponhamos uma criatura para quem não exista perfeição na terra, e julgue que a mais bela alma não passa de um ponto de vista; se tudo muda com o ponto de vista, a perfeição...