um momento recolhido, de olhos altos, como à espera de um influxo superior...

Os dedos moveram-se de leve, serenos, num arroubo, desenhando na alma essa suave Pastoral, de Beethoven. Os sons iam cantando, espalhando a divina poesia, abrindo o sentimento para o mistério da natureza, voando, borboletas do sonho, para o sonho da noite, a confundir-se com o perfume, lá fora, na serenidade mística do espaço adormecido, ao luar.

Ia-se-me da memória a razão daquele encanto, a causa daquela festa harmoniosa quando o pianista que, de instante a instante, inclinando-se lançava os olhos ao jardim, avisou-me imprimindo mais alma à maravilhosa sinfonia: “Aí vem ele!”.

Eu ocupava uma poltrona fronteira à janela e vi distintamente o vulto branco adiantar-se, ora em plena luz, ora velado pela sombra dos languidos ramos.

Soergui-me na poltrona para ver melhor, nada; adiantei-me até a janela, olhei: lá estava ele imóvel, junto a uma palmeira, ouvindo.