— Aquele “ouviu latir ao longe o perigo”, em vez de ouviu latir ao longe os cães; e aquele “pastou a benfeitora” em vez de pastou a moita. Se tia Nastacia estivesse aqui, dava á senhora uma cocada.

Dona Benta riu-se.

— Pois essas “belezinhas” são uma figura de retorica que os gramaticos xingam de sinédoque...

— Eu sei o que é isso; berrou Emilia. E’ “sem” com um pedaço de bodoque.

Ninguem entendeu. Emilia explicou:

Sine quer dizer “sem”. Quando o visconde quer dizer “sem dia marcado”, ele diz “sine die”. E’ um latim. E “doque” é um pedaço de bodoque...

— Parece que é assim mas não é, Emilia, explicou dona Benta. Sinédoque é a synedoche dos gregos, e quer dizer compreensão.

— E que tem a compreensão com as duas belezinhas? quis saber a menina.

— Tem que falando em “perigo” em vez de cães, e em “benfeitora” em vez de moita, toda gente compreende a troca das palavras e fica a tal belezinha que você achou. A sinédoque troca a parte pelo todo, como quando dizemos “velas” em vez de “navios”; ou troca o genero pela especie, como quando dizemos “os mortais” em vez de “os homens”; ou troca uma coisa pela qualidade da coisa, como quando dizemos “perigo” em vez de “cães” e “benfeitora” em vez de “moita”.

— E para que serve isso? perguntou Narizinho.

— Para enfeitar o estilo.

— Mas a senhora mesma não disse que o estilo muito enfeitado, muito floreado, é feio?

— Sim. Quando é muito enfeitado fica feio e de mau gosto, mas se aparece discretamente enfeitado fica bem bonitinho. Se você vai á vila com uma flor no peito, fica linda como uma sinédoque. Mas se se enfeitar demais, fica apalhaçada e revela mau gosto. Tudo na vida depende da justa medida; nem mais, nem menos; antes menos do que mais.

— Então é o tal usar e não abusar, lembrou a menina.

— Isso mesmo. Discreção é isso.

Narizinho, que era uma menina muito discreta, compreendeu perfeitamente.

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