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Primeyro capítulo.

A Lingoagem e figura do entendimento: e assi e verdade q̃ a boca diz q̃nto lhe manda o coração e não outra cousa: antes não deuia a natureza criar outro mais difforme monstro do q̃ são aq̃lles que falão o q̃ não tem na vontade. porq̃ se as obras são proua do homẽ. Como diz a suma verdade Jesu xp̃o nosso d's: e as palauras são ymagem das obras: segũdo diogenes laerçio: escreue q̃ dezia Solon sabedor de Greçia cada bũ fala como quẽ e: os bos falão virtudes ros maliçiosos maldades: os religiosos p̃gão d'sprezos do mũdo e os caualeiros blasonão suas façanhas: e esses sabẽ falar os q̃ ẽtẽdẽ as cousas: porq̃ das cousas naçẽ as palauras e não das palauras as cousas: diz misõ filosofo: e outra vez çiçero a bruto e quitiliano no oitavo liuro õde tãbẽ disse que falar e pnũciar o q̃ entẽdemos: este so e hũ meyo q̃ d's quis dar as almas raçionaes para se poderẽ comunicar antre si: e com o q̃l sendo spirituaes são sentidas dos corpos. Porẽ nã e tã espiritual a lingua q̃ não seja obrigada as leys do corpo. Mas segundo a disposição da lingua corporal assi vemos formar diuersas as vozes bũas çeçiosas, outras tartaras: e muitas cõ muitos defeitos e tãbẽ cõ suas perfeições Porq̃ como este orgão da lingua e boca be mais e milhor disposto assi cumpre milhor seu oficio: bẽ ou mal disposto pode ser em calidades e feição: calidades como seco ou humedo: feição como dẽtes grãdes ou desuiados: e tambem muitos falão muito mal: so com mao costume não mais. E e muito de culpar este defeyto das calidades serem diuersas: nas quaes tem dominio as dondições do çeo e terra em que viuem os homẽs vem que bũas gentes formão suas vozes mays no