A leitura desta disposição causou natural espanto à irmã e ao filho do finado. D. Úrsula nunca soubera de tal filha. Quanto a Estácio, ignorava menos que a tia. Ouvira uma vez falar em uma filha de seu pai; mas tão vagamente que não podia esperar aquela disposição testamentária.
Ao espanto sucedeu em ambos outra e diferente impressão. D. Úrsula reprovou de todo o ato do conselheiro. Parecia-lhe que, a despeito dos impulsos naturais e licenças jurídicas, o reconhecimento de Helena era um ato de usurpação e um péssimo exemplo. A nova filha era, no seu entender, uma intrusa, sem nenhum direito ao amor dos parentes; quando muito, concordaria em que se lhe devia dar o quinhão da herança e deixá-la à porta. Recebê-la, porém, no seio da família e de seus castos afetos, legitimá-la aos olhos da sociedade, como ela estava aos da lei, não o entendia D. Úrsula, nem lhe parecia que alguém pudesse entendê-lo. A aspereza destes sentimentos tornou-se ainda maior quando lhe ocorreu a origem possível de Helena. Nada constava da mãe, além do nome; mas essa mulher quem era? em que atalho sombrio da vida a encontrara o conselheiro? Helena seria filha de um encontro fortuito, ou nasceria de algum afeto irregular embora, mas verdadeiro e único? A estas