Tal era a pretensão, considerada sob o aspecto das mutuas relações da sociedade civil com a sociedade religiosa. Politica e moralmente olhada, era ella, ao mesmo tempo, um gravissimo erro administrativo e uma baixa traição da parte de D. João iii. Se o negocio transpirasse, como depois veremos que transpirou, os christãos-novos mais abastados procurariam pôr-se a salvo de uma instituição cujas atrocidades habituaes soavam por toda a Peninsula e que não havia motivo de esperar fosse mais humana em Portugal, onde, ainda antes della, o espirito de perseguição se manifestava já com tanta violência. O paiz decadente, carregado de divida publica, falto de instrucção e de industria, perderia cabedaes, homens dados á cultura das sciencias, artifices habeis, contribuintes opulentos; boa parte, em summa, do que constitue o nervo da sociedade civil, a classe média. E certo, porém, que a isto se procurava remedio com o que ha mais torpe nas covardias humanas; com um acto analogo ao do assassino robusto e armado que busca pelas trevas o fraco e inerme para lhe sair na encruzilhada e apunhalá-lo pelas costas. D. João iii tinha confirmado de 1522 a 1524 todos os privilegios da gente hebréa, e entre elles os que lhe proro-