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MONTEIRO LOBATO

— É uma coisa que não sei. Tenho ouvido falar isso mas não sei.

— Como não sabe? — admirou-se Peter. — Então não vê, não percebe, não presta atenção no que faz?

— Prestar atenção é um ato consciente — respondeu o saci — e isso de cruzar as pernas é um ato que todos fazem inconscientemente e, portanto, sem prestar atenção.

Peter Pan admirou-se do saci falar com tanta sabedoria, usando palavras que ele ignorava, como "consciente" e "inconsciente", e perguntou o que era. O saci veio com exemplos. "Quando você pisca, presta atenção na piscada?" — "Não, está claro!" — respondeu Peter. E o saci: "Pois então você pisca inconscientemente. E quando descasca uma laranja?" — "Ah, aí presto toda a atenção, senão corto o dedo." — "Pois então, quando descasca laranja você age conscientemente. Vê a diferença?"

Peter Pan aprendeu, mas continuou a achar um grande mistério que os sacis ignorem que "cruzam as pernas apesar de terem uma perna só".

Estavam ainda os dois discutindo aquele ponto, quando um zunzum se ergueu no ar. "É ele! É ele!" diziam cem vozes, e era de fato ele, o Gato de Botas, a quem Branca oferecia aquela festa.

O Gato de Botas entrou majestosamente, no seu lindo vestuário de nobre francês do tempo dos reis Luíses: calção e jaqueta de veludo bordado, punhos de renda, gola não sei como e cabeleira empoada de branco, muito crespa. Chapéu de aba larga com uma grande pluma, e botas, as famosas botas do Gato de Botas. Entrou apoiando-se em sua alta bengala de castão de ouro; e, tirando o chapéu com toda a elegância, fez um cumprimento geral, com uma graciosa curvatura. Coisa de gato francês.

E foi justamente essa curvatura que estragou a festa.

— Por quê?

— Porque ao curvar-se, o Gato de Botas viu ali no chão a coisa que mais mexe com as tripas dum gato.