CONTO ARGENTINO


DIA 5 DE JANEIRO. Dona Dolores voltou do quintal com uma ruga de apreensão na testa. Seu marido, na sala de jantar, a ler os jornais, falou-lhe do programa das festas do dia seguinte. "Aqueles dois camelos do Zoológico vão desfilar pelas ruas com os Reis Magos. Estou vendo a surpresa da criançada . . ." Mas nem essa nota pitoresca desfez a ruga de Dona Dolores. O marido o notou e:

— Que cara é essa? Que há?

— Há que Panchito anda a revelar maus instintos. Outro dia quebrou um galho da macieira que plantei o ano passado e hoje, apesar das minhas recomendações, pilhei-o a descascar a pobre arvorezinha. É preciso castigá-lo.

Dom Francisco, homem de espírito filosófico, não tinha grande fé nos castigos à moda clássica e por isso sempre tomava a si a correção do menino; ponderou um momento com os olhos no forro, e:

— Ele que se vista para sair e venha ter comigo.

Dona Dolores estranhou a resolução, mas foi vestir o filho. Meia hora depois aparecia Panchito em sua roupa nova de marinheiro, gola branca e gorro com inscrição dourada: "Fragata Belgrano."

— Que é, papai? — indagou o menino em tom vagamente receoso. — Vai levar-me à cidade para o meu presente?

— Sim, meu filho.

Saíram. Na rua Dom Francisco tomou um "coletivo", e depois outro, e por fim desceu na Praça Lavalle, diante do Teatro Colón. Entrou no parque com o menino pela mão.

— Já andou por aqui, Pancho?

— Creio que não, papai. Não me lembro.