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HISTORIAS DE REIS E PRINCIPES

cortada de continuos sobresaltos e receios, que o faziam esperar a toda a hora o punhal assalariado por D. João II, achava lenitivo nas expressões affectuosas da manceba, que na desgraça se tornára mais dedicada.

Sabia o foragido que o rei de Portugal procurava constantemente actuar no animo de Fernando e Izabel para leval-os a entregarem-lhe o conspirador. Receiava que os reis catholicos viessem a ceder, e n'esse caso contava com uma infallivel morte ignominiosa, com uma vingança terrivel que nem os seus restos mortaes respeitaria. A pelle do seu corpo serviria para cobrir a cadeira de D. João II.

Em Castella, nas horas em que não frequentava a côrte, onde assiduamente concorria para sondar a seu respeito o animo de Fernando e Izabel, fraquejára por vezes aquelle homem forte, cuja altivez assombrára o conde de Benavente, e merecêra elogio ao proprio D. João II.

Perante a rigidez indomavel do rei de Portugal, antolhava-se-lhe desolador o futuro. Se lograsse escapar aos sicarios armados pela colera de D. João II, o que era muito pouco provavel, teria que viver e morrer longe da patria com o labéo de conspirador, sempre vexado pela necessidade de receber agasalho e protecção.

As sombras da noite punham-lhe no espirito o constante receio de emboscadas; atravessava as ruas com o sobresalto com que póde atravessar-se um sertão povoado de féras. Não se permittia a fraqueza