como a de Portugal, que parecia um jardim, feito para o homem.
Mesmo os nossos poetas mais velhos nunca entenderam a nossa vegetação, os nossos mares, os nossos rios; não compreendiam as nossas coisas naturais e nunca lhes pegaram a alma, o substractum; e se queriam dizer alguma coisa sobre ela caiam no lugar-comum amplificado e no encadeamento de adjetivos grandiloqüentes, quando não voltavam para a sua arcadiana e livresca floresta de álamos, plátanos, mirtos, com vagabundíssimas ninfas e faunos idiotas, segundo a retórica e a poética didáticas das suas cerebrinas escolas, cheias de pomposos tropos, de rapé, de latim, e regras de catecismo literário.
Se, nos poetas, o sentimento da natureza era esse de paisagens de poetas latinos, numa diluição já tão exaustiva que fazia que os autores do decalque se parecessem todos uns com os outros, como se poderia exigir de funcionários, fidalgos limitados, na sua própria prosápia, uma maior força original de sentimento diante dos novos quadros naturais que a luminosa Guanabara lhes dava, cercando as águas de mercúrio de suas harmoniosas enseadas? Dom João VI, porém, nobre de alta linhagem e príncipe do século de Rousseau, mal enfronhado na literatura palerma dos árcades, dos desembargadores e repentistas, estava mais apto para senti-los de primeira mão, diretamente. Podia ele, perfeitamente, amar o passaredo alegre na plumagem e triste no canto, a gravidade alpestre de cenários severos, os morros cobertos de árvores de insondável verde-escuro, que descem pelas encostas amarradas umas às outras, pelos cipós e trepadeiras, até o mar fosco que muge ao sopé deles.
O sucesso de Rousseau entre a alta fidalguia do seu tempo foi um estranho acontecimento que hoje surpreende a todos nós, tanto mais que não se passa uma geração e vem ele a ser amaldiçoado pelos filhos e netos dos que o festejaram, como sendo um dos autores do 89 e do rubro 93.
Antes disso foi ele o enfant gâté da grande nobreza