na música e nos aspectos naturais derivativos para a sua muito humana necessidade de efusões sentimentais.
Na sua vida de grandes mágoas e profundas dores, o seu desembarque no Rio com certeza foi para a sua alma uma aleluia. A augusta beleza do cenário natural, a sua originalidade imprevista e grandiosa - sem atingir o incompreensível do desmedido e do colossal, a efusão filial de toda uma bizarra população de brancos, índios, negros e mulatos, quase toda a chorar, provocaram muito naturalmente a simpatia, fizeram-lhe logo brotar no coração uma grande afeição pelo lugar, animaram-no novamente a viver, sentir-se rei de fato - Rei - o chefe aceito voluntariamente, como pai e senhor, por todos aqueles súditos longínquos que o viam pela primeira vez.
Dom João, diz Oliveira Lima, caminha sereno, com a melancolia a fundir-se ao calor da simpatia que o estava acolhendo.
Para bem ver a terra, então, ele se esqueceu das quinze mil pessoas que o acompanhavam desde as margens do Tejo, daqueles quinze mil "desembargadores e repentistas, peraltas e sécias, frades, e freiras, monsenhores e castrados - enxame de parasitas imundos", como diz Oliveira Martins, que aportava em São Sebastião para esvair quotidianamente a Ucharia Real e enchê-la em troca de zumbidos de intrigas, mexericos e alcovitices.
E o rei pagou bem o carinho filial com que o Rio de Janeiro o recebeu; foi grato. Tratou logo de arranjar uma nobreza da terra, que ele mesmo dizia não ser "nobreza" mas "tafetá"; protegeu José Maurício e autorizou que a sua desgraciosa mas sagrada figura de rei, de nobre da mais alta e pura fidalguia, apesar da filha do Barbadão, fosse pintada na tela por um pobre pintor mulato, José Leandro, que nunca vira a Itália, nem museus, nem academias, e talvez até nem tivesse mestres.
Mas, não foi só aí que mostrou a sua gratidão para os afagos recebidos por ele, na sociedade da Guanabara; não o foi também, unicamente, nas instituições de ensino e outras que criou; foi para a terra que o seu agradecimento