Atermo-nos a eles, assim variável e fugidia, é impedir que realizemos o nosso ideal, aquele que está na nossa consciência, vivo no fundo de nós mesmos, para procurar a beleza em uma carcaça cujos ossos já se fazem pó.
Ela não nos pode mais falar, talvez nem mesmo balbuciar, e o que nos tinha a dar já nos deu e vive em nós inconscientemente.
Como se vê, o meu correspondente está preso a ideias mortas; e, em matéria de novela, por certas notações que faz, à minha, se não está jungida a um pensamento morto, deixou-se prender por uma generalização que a experiência do gênero não legitima.
Estranha o meu inesperado correspondente que o meu modesto livro fuja à questão de amor; não seja ela o eixo do livro. Mas, caro senhor, essa questão nunca foi primordial no romance.
Nem os antigos, nem os modernos. Nem nos franceses, nem nos espanhóis. Se o senhor me cita Dáfnis e Cloé, eu cito o Satiricon; se o senhor me cita a Princesse de Clèves, eu lhe apresento Lazarillo de Tormes.
Nos grandes mestres modernos, Balzac, Tolstói, Turguêniev, Dostoiévski, quase sempre o amor é levado para o segundo plano; e essa sua generalização de que o primordial do romance, e seu característico, por assim dizer, é tratar de uma aventura de amor, é tão verdadeira e necessária como aquela regra das três unidades, em matéria de drama e tragédia, de que os críticos antigos faziam tanta questão, citando Aristóteles que nunca a tinha estabelecido.
Parece-me que o nosso dever de escritores sinceros e honestos é deixar de lado todas as velhas regras, toda a disciplina exterior dos gêneros, e aproveitar de cada um deles o que puder e procurar, conforme a inspiração própria, para tentar reformar certas usanças, sugerir dúvidas, levantar julgamentos adormecidos, difundir as nossas grandes e altas emoções em face do mundo e do sofrimento dos homens, para soldar, ligar a humanidade em uma maior, em que caibam todas, pela revelação das almas individuais e do que elas têm em comum e dependente entre si.
A literatura do nosso tempo vem sendo isso nas suas maiores manifestações, e possa ela realizar, pela virtude da forma, não mais a tal beleza perfeita da falecida Grécia, que já foi realizada; não mais a exaltação do amor que nunca esteve a perecer; mas a comunhão dos homens de todas as raças e classes, fazendo que todos se compreendam, na infinita dor de serem homens, e se entendam sob o açoite da vida, para maior glória e perfeição da humanidade.
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HISTORIAS E SONHOS