Neste como naquele, nesta ou naquela profissão, tenham-se as melhores ou piores aptidões, o que se nos pede nessa sociedade burguesa e burocrática é muita abdicação de nós mesmos, é um apagamento da nossa individualidade particular, é um enriquecimento de ideias e sentimentos comuns e vulgares, é um falso respeito pelos chamados superiores e uma ausência de escrúpulos próprios, de modo a fazer os tímidos e delicados de consciência não suportar sem os mais atrozes sofrimentos morais a dura obrigação de viver, respirar a atmosfera deletéria de covardia moral, de panurgismo, de bajulação, de pusilanimidade, de falsidade, que é a que envolve este ou aquele grupo social e traz o sossego dos seus fariseus e saduceus, um sossego de morte da consciência.
Os delicados de alma, nos nossos dias, mais do que em outros quaisquer, estão fatalmente condenados a errar por toda a parte. A grosseria dos processos, a “embromação” mútua, a hipocrisia e a bajulação, a dependência canina, é o que pede a nossa época para dar felicidade ao jeito burguês.
É a época dos registros e dos tabeliães, mas é o tempo das maiores falsificações; é a época dos códigos, sendo também o tempo das mais vivas ladroeiras; é a época das polícias aperfeiçoadas, apesar de que é o tempo dos fiadores, endossantes etc., verificando-se nele os maiores calotes; é a época dos diplomas e das cartas, entretanto, sobretudo, entre nós — é o tempo damediocridade triunfante, da ignorância arrogante escondida atrás de diplomas de saber; etc., etc.
Quem fez nas primeiras idades uma representação da vida cheia de justiça, de respeito religioso pelos direitos dos outros, de deveres morais, de supremacia do saber, de independência de pensar e agir — tudo isto de acordo com as lições dos mestres e dos livros; e choca-se com a brutalidade do nosso viver atual, não pode deixar de sofrer até o mais profundo do seu ser e ficar abalado com esse traumatismo para toda a vida, desconjuntado, desarticulado,