todos, por comuns de argumentação e motivos, me escaparam da memória; mas um, por ser sobremodo grotesco, viveu-me sempre na minha lembrança e, ainda hoje, quando dele me recordo, causa-me riso. Conto-o. Um voluntário da Pátria chamou em seu auxílio, ou tentou chamar, a aritmética para obter o justo honorário a que se julgava com direito. O senhor José Dias de Oliveira, porteiro adido do extinto Hospital do Andaraí, vivo ainda, como o são também os outros dois seus colegas a que aludi, era um velho pesadão, curto de membros e de corpo, com umas abundantes e longas barbas mosaicas, ventre proeminente e acentuado na sua redondeza, voz cava, que, de quando em quando, aparecia na secretaria, a fim de procurar com um seu amigo, funcionário dela, “o livro dos voluntários da Pátria”. Só ele conhecia esse livro e ele o pedia com a máxima insistência. A sua voz cava não permitia grandes gritos; mas, assim mesmo, nos dias de reclamação, conseguia encher os corredores e as salas com o seu rouco vozeiro. Quem o visse, nesse transe, poderia apreciar o gesticular desenfreado com que acompanhava a sua abafada gritaria e o cuidado constante que tinha,para não lhe caírem as calças perna abaixo. Movia todas as partes do corpo que permitiam movimento: os braços, as pernas, a cabeça, o pescoço; e falava, falava, semigritando.
Queria o tal “livro” para resolver ou justificar os seus direitos, que tinham o apoio da matemática. Era, argumentava, tenente honorário e fora tenente da polícia do Paraná. Ora, 2 + 2 são quatro. Logo, ele possuía quatro galões, o que equivale a dizer que era major e, como tal, tinha direito à patente desse posto. De alguma forma, penso eu agora, o Senhor José Dias de Oliveira tem razão. Se o esoterismo positivista da geometria e do cálculo tanto concorreu para o 15 de Novembro, não é demais que a cabala da tabuada de somar auxiliasse a pretensão do porteiro adido do antigo hospital do Andaraí. 2 + 2 = 4; ele é, portanto, major. A matemática não falha…