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HORTO

longos meses de secca, a compaixão pelos humildes, cuja miseria tanto a commovia, a saudade dos diversos logares em que esteve, em busca de melhoras aos padecimentos physicos...

Tudo isso concorreu muitissimo para aggravar a maravilhosa sensibilidade de seu temperamento de mulher; e essa sensibilidade, á medida que a doença augmentava, se ia tornando mais profunda, fazendo de um ser fragilimo o interprete de innumeros corações desolados.

A primeira edição do Horto, publicada em 1900, esgotou-se em dous meses. O livro foi recebido com elogios pela melhor critica do paiz; leram-no os intellectuais com avidez; mas a verdadeira consagração veio do povo, que se apoderou delle com devoto carinho, passando a repetir muitos de seus versos ao pé dos berços, nos lares pobres e até nas Igrejas, sob a forma de «bemditos» anonymos.

Auta, sem pensar e sem querer, reproduzira a lapis, na chaise longue, onde a prostára a doença, as emoções mais intimas de nossa gente: encontrára no proprio soffrimento a expressão exacta do soffrimento alheio.

E antes de finar-se ouviu da bocca de centenas de infelizes muitos dos versos que traçara com os olhos lacrimosos, não raro para esquecer o desgosto de se sentir vencida em plena mocidade.

Não teve cultura litteraria vasta.

Recordando scenas da meninice vejo-a neste momento, aos oito anos, curvada sobre as paginas da Historia de Carlos Magno, outr’ora muito popular nas fazendas do Norte, livro cheio de façanhas inverosimeis, sem medida, sem arte, escripto no peior dos estyllos, — mas delicioso para quem o conheceu na infancia.

Lia-o Auta no campo, os olhos ingenuamente maravilhados, para o mais ingenuo dos auditórios, composto de mulheres do povo e de velhos escravos, todos filhos desse formoso sertão que exerceu em seu espirito tão salutar influencia.