visões de seu mysticismo. Assim o Horto, em vez de uma colleção didatica de psalmos catholicos, encerra, com a tristeza de um pobre ser cruelmente ferido pelo destino, perturbado em face do mysterio da vida, a queixa universal do soffrimento humano.
Nos ultimos versos nota-se a estranha serenidade espiritual a que chegou nos derradeiros dias, inspirando aos que a visitavam a mais religiosa veneração.
Via-se-lhe, então, a alma através os olhos brilhantes, sem torturas, sem lagrimas.
Naquelle corpo desfeito, tão leve que uma creança podéra conduzir, havia agora um coração resignado de martyr, sentindo profundamente o nada da vida, mas sem horror á morte. Realisara-se o seu desejo:
« Não vês? Minh’alma é como a penna branca
« Que o vento amigo da poeira arranca
« E vae com ella assim, de ramo em ramo,
« Para um ninho gentil de gaturamo...
« Leva-me, ó coração, como esta penna
« De dor em dor até à paz serena. »
A tormenta se desfizera ao pé do tumulo; e do naufragio em que se abysmou esta singular existencia, resta o Horto, livro de uma santa.
Paris, 4 de agosto de 1910