eternamente. Esta dor era a que mais o pungia naquela ocasião. Quisera reconciliá-los, mas não tinha esperança de o conseguir.

— Vou morrer, dizia ele a Anacleto Monteiro, e levo a maior mágoa...

— Tio Bento, deixe-se de idéias negras.

— Negras são, é verdade; bem negras, e assim...

— Qual morrer! Há de ir comigo passar uns dias na Tijuca...

— Contigo e o Adriano, dizia Bento Fagundes, cravando no sobrinho uns olhos perscrutadores.

Aqui fechava-se o rosto de Anacleto, onde o ódio, só o ódio, transluzia com um reflexo infernal.

Bento Fagundes suspirava.

A Adriano dizia ele:

— Sabes tu, meu rico Adriano, qual é a maior dor que eu levo para a sepultura?

— Sepultura? interrompia Adriano. Falemos de coisas mais alegres

— Sinto que morro. A dor maior que eu levo é que tu e Anacleto...

— Não se exalte, tio Bento; pode fazer-lhe mal.

Era inútil.

Três dias antes de morrer, Bento Fagundes, vendo-os juntos no quarto, chamou-os e pediu-lhes que fizessem as pazes. Recusaram ambos; a princípio desconversando; depois abertamente. O boticário insistiu; travou da mão de um e de outro e uniu-as. Foi um simulacro. As mãos dos dois tremiam, e ambos ficaram lívidos de cólera.

Entre eles, era tal o receio que nenhum ousava comer em casa de Bento Fagundes por medo de que o cozinheiro, peitado, lhes propinasse uma dose de arsênico. Não se falavam, é claro; não se olhavam; tremiam quando se achavam a sós e fugiam para evitar o escândalo de uma nova luta, a dois passos do enfermo.

A moléstia era mortal. Bento Fagundes expirou entre os dois parentes. Estes o amortalharam silenciosamente, fizeram os convites, trataram do enterro, sem trocar a mínima palavra.

Se a sra. D. Leonarda fosse viva teria ocasião de ver que não se enganava quando atribuía algumas economias ao velho boticário. O testamento foi a confissão pública. Bento Fagundes declarou possuir, no estabelecimento, escravos, prédios e não sei que títulos, uns trinta e oito contos. Seus herdeiros universais eram Anacleto e Adriano, últimos parentes.

Havia, entretanto, uma cláusula no testamento, redigido um mês antes