— Já te perdoei, como sabes, o erro em que caíste; reconheci, minha filha, que a boa fé do teu coração foi iludida. Tudo isto pertence ao passado. Mas pensaste no futuro?

— No futuro?

— Sim, pensaste na tua posição de ora avante, nas circunstâncias penosas em que te achas, mas ainda mui penosas com que hás de achar-te quando eu morrer?

— Oh! meu pai, eu também morrerei...

— Ouve. Não digas isso. Não sabes se poderás ou não resistir à minha morte, e no caso afirmativo, que é o que se há de dar, porque é o que se dá sempre, só recorrendo ao crime terás a morte, e então...

— Meu pai!

— E então terás aumentado as torturas eternas do meu espírito... Ah! é preciso que te não esqueças de que há um Deus que nos olha e nos julga. Para esse, apelo eu, apelarás tu, no que diz respeito ao infame. Mas enquanto esse Deus não te chamar a si, tu não tens, nem eu tenho, o direito de atirar à margem o fardo da vida.

— Bem sei, meu pai...

— Ora, pois. Morto eu, qual é a tua posição? Ficas desamparada à beira de um abismo. É preciso que conjures esse perigo, e eis o meio: mudar-nos-emos daqui. A casa a que eu for morar terá capacidade para que possamos eu e tu trabalhar em uma só coisa: fazer um pecúlio para ti. Serei hortelão; serás costureira. O que nos render nessas duas ocupações, junto com o que o Estado me dá, servirá para sustentar a casa e economizar de modo que, no fim de alguns anos, quando a morte me chamar, tu fiques desassombrada, ao abrigo das necessidades e das tentações.

— Oh! meu pai! exclamou Emília deitando-se aos braços de Vicente.

— Queres?

— De todo o coração, meu pai.

Desde este dia foi assentado que ambos se ocupariam na reparação do passado por meio da esperança do futuro.

Mudaram-se para a casinha em que os encontramos, leitor, no começo desta narrativa.

Aí viveram, longe do mundo, entregues só ao cumprimento da palavra jurada e no desempenho dos encargos que o funesto amor de Valentim trouxera àquela infeliz família.

Quanto ao rapaz, Vicente entendeu que não devia por modo algum procurar vingar-se. Qual seria a vingança? Vicente, profundamente religioso,