Á meia noite, por um claro luar de ceo limpo de inverno, uma barca subia com difficuldade a corrente rapida do Douro: à pôpa viam-se reluzir, nas toucas e mantos negros de dous cavalleiros que ahi iam assentados, as orlas e bordaduras de ouro e prata: um dos remeiros cantava ama cantiga melancholica, a que respondia o companheiro, e dizia assim:
Mortos me sào padre e madre:
Eu tamanino fiquei.
Irmãos meus mal me quizeram:
Eu mal não lhes quererei.
Vou-me correr esse mundo:
Sabe Deus se o correrei!
A alma deixo-a cá presa;
O corpo só levarei.
De meus avós nos solares
Nasci: dous dias passei:
Meus irmãos, nada vos tenho,
Senão o nome que herdei.
Esta cantiga, cuja toada monotona repercutia nos rocbedos aprumados das margens, foi interrompida por um doloroso suspiro. Um dos cavalleiros o déra.