as ponderosas botas, e enfiando-se entre os grosseiros lençoes, atava o fio do somno no ponto em que o deixára; e emballado brandamente por sonhos apraziveis, só acordava sol nado e alto, ao bradar da tia Jeronyma, e ao cheiro da açorda fumegante; almoço que, como tudo o que era consagrado pelos seculos e pela tradição, elle profundamente respeitava.
E o nosso philosopho? O nosso philosopho, recolhendo-se alta noite, ía todo o caminho provando a si mesmo que não ha diabos no mundo, nem almas, nem talvez Deus; mas sentindo arripiarem-se-lhe os cabellos ao vêr dançar a phosphorescencia d’algum marnel, rezando o credo em cruz ao passar por algum cemiterio, benzendo-se ao ouvir piar algum mocho. E depois de se deitar e adormecer sonhava.... Em quê? Nas combinações infinitas da materia eterna de que deve, segundo as boas doutrinas, ter rebentado o universo? Não! Sonhava com as penas do inferno; e ao acordar pela manhan com defluxo, pedia confissão e sacramentos.
Já lá vão vinte annos! Bom tempo era esse, ao menos para mim, que ainda nem sabia da existencia do animal chamado philosopho, classificavel entre os rodentia, pelo medroso e damninho. Em vinte annos que voltas tem dado o