por toda a sua pessoa; alguma vez já vira passar-lhe na fronte um reflexo de nobre altivez, mas de relance, como a eletricidade que lambe a face da nuvem. Naquele momento porém a luz irradiava de um foco íntimo; e na feição, como na atitude de Lúcia, aparecia profundamente impresso o pudor de uma alma ressentida.
Pela primeira vez a mulher submissa, que temia ofender-me, mostrando-se ofendida de minhas injustiças, conservava contra mim uma queixa, e assumia o direito de perdoar. Admirando, aceitava todas as gradações por que passara a sua existência depois que nos conhecíamos.
— Duvidou de mim! disse Lúcia fitando-me com os seus grandes olhos límpidos.
Ia balbuciar uma desculpa; ela atalhou-me.
— Não! A mulher de quem duvidou já não existe, morreu! É uma história bem triste! Ouça!
Lúcia ficou um momento absorvida nas suas recordações; afinal chegando um banquinho de tapete, sentou-se aos meus pés:
— Deixamos São Domingos para vir morar na corte; tinham dado a meu pai um emprego nas obras públicas. Vivemos dois anos ainda bem felizes. À noite toda a família se reunia na sala; eu dava a minha lição de francês a meu mano mais velho, ou a lição de piano com minha tia. Depois passávamos o serão ouvindo meu pai ler ou contar alguma história. Às nove horas ele fechava o livro, e minha mãe dizia: «Maria da Glória, teu pai quer cear». Levantava-me então para deitar a toalha.
— Maria da Glória !
— É meu nome. Foi Nossa Senhora, minha madrinha, quem mo deu. Nasci a 15 de agosto. Por