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Com os olhos no fogo e com o olhar
Mais longe do que brilham as estrelas,
Marános se abysmava em seu scismar,
Esquecido e alheado de si mesmo...
E no peito do Esposo a branca fronte,
Descançava a Saudade; e ali ouvia
O rythmico bater d'um coração...


Lá fóra, n'um sussurro, já chovia...


E Marános scismava alegremente
Em seu poder humano de criar,
E no poder divino e transcendente
Que a Divindade tem de ser criada...
E n'um intimo encanto misterioso,
Alcançava a fronteira indefinida,
Onde o seu meio organico tocava
O fim espiritual da sua vida...
Era o Sêr de olhar duplo, contemplando
O Reino a que pertence e o seu etereo
Desdobramento animico; e por isso,
Olhava as duas faces do Mysterio...


E Marános sonhava e meditava,
E o fogo ardia alegre e crepitante;
E o vento, clamorando, desfiava
Seu rosario de lagrimas sem fim...
Lá fóra andava a Noite; e bem se ouviam
Seus passos de phantasma ... e a luz da Lua,
Por entre as grossas nuvens que se abriam,

Esboçava, na sombra, os altos píncaros.