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A fonte que ele ouvia da sua cama
Cantar lá fóra, á noite, no silencio,
N'uma voz de quem sofre e de quem ama,
Um outro amôr e dôr, em outro mundo...
Eram aves e flôres, creaturas
Que o Tempo já levára e consumira...
Mas em formas anímicas e puras,
Perfumavam, cantavam e falavam
No seu divino Reino Espiritual...
E encantava Marános o segredo
D'essas intimas vidas que não morrem,
Sejam de flór ou de ave ou de arvoredo...


E viu que todo o corpo exterior,
Ao tocar a sua alma comovida,
Se espiritualisava; e, em puro amor,
Vivia a vida anímica e perfeita.
E viu que a Natureza, d'esta forma,
Em seu imaterial desdobramento,
Destróe o Espaço, o Tempo e tudo quanto
É dôr, fragilidade e sofrimento.


Hora eterna, divina, extraordinaria,
Em que o Homem gerou a Deus na Terra,
Como a terra fecunda e solitaria,
N'um impeto de amôr, gerou as arvores!
E o destino d'um homem não é mais
Do que ser atraído e dominado
Pelo seu Deus, divina Creatura
E seu divino Filho consagrado.
Tudo ao Filho obedece; o céu e o mundo.

Dão-lhe graças, cantando, os passarinhos!